5º dia de filmagem - Quando a van quebra na saída da aldeia Kalipety
- Paola Mallmann
- 16 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
Nosso quinto dia de filmagem, em São Paulo, começou muito bem junto com o sol. Marcamos nosso café da manhã às 06h30 e às 07h nosso horário de saída. Tenho dado bastante importância à questão da disciplina com os horários, os tempos para o andamento das coisas e percebido também como sincronizar o tempo de cada um num ritmo coletivo que atenda à dinamicidade da nossa produção. No caso desse dia, conseguimos sair ao redor das 07h15. E lá estávamos nós, em pleno feriado de carnaval de 2021, no trânsito da manhã paulistana. Nossa primeira parada foi em uma padaria e logo depois um supermercado para abastacer de lanches e água nossa van, que, aliás desde a vinda de Paranaguá estava dando sinais (pelo leve cheiro de queimado) de que algo não ia bem. Na noite anterior até em conversa com o Emerson, nosso motorista e parceiro, pensamos que daria tempo dele nos deixar na aldeia e depois levar a van no mecânico para revisar. Mera ilusão, a distância até a aldeia Kalipety, próxima do bairro Barragem, junto com o trânsito e as paradas, fez com que chegássemos passando às 10h da manhã, quando o pessoal já estava preparando o almoço.
A paisagem até a aldeia varia entre a perferia e uma zona de Mata Atlântica ainda preservada. Na Aldeia vivem cerca de 17 famílias e a Jera Guarani nos recebeu enquanto terminava de montar um quebra-cabeça da MonaLisa com dois membros de sua família. Para encontrá-la fomos até o fundo da aldeia, onde um conjunto de casas estão reunidas dando forma à vida comunitária guarani que tão bem foi destacada na fala da Jera. Nossos primeiros instantes filmados foram ali mesmo, próximo a uma mesa improvisada, base do quebra-cabeça, depois na cozinha onde ela se movia de um lado para o outro organizando o almoço. Então, ela parou, pegou o petyngua e o fumo de corda em um cestinho e sentou-se próximo onde estava nosso produtor Beto Rodrigues, lá nos acomodamos e fizemos alguns planos dela fumando e também conversando conosco. Tanto nesta filmagem, como na anterior - e nas seguintes - a equipe este sempre cuidando de respeitar as nornas sanitárias deste momento de Covid, todos com máscara, munidos de alcool gel e preservando sempre que possível às distâncias. Aliás, cabe lembrar que logo antes de sairmos de Porto Alegre, no dia 12, os membros da equipe fizeram o teste PCR de Covid, todos negativados.
Em seguida, junto com ela, escolhemos o melhor lugar para filmar a entrevista, que consistiu em três perguntas, levando Jera a falar um bocado de muitos conteúdos e saberes sobre o mundo, não só da cultura Guarani, mas sobre as mudanças sociais que vivemos hoje. No meio da filmagem, após fazermos pausa para o almoço e continuado a rodar com ela em outras das paisagens belíssimas da aldeia, nós descobrimos que a van de fato tinha dado seu aviso final.
Resultado, ao concluir as filmagens lá pelas 16h da tarde, o Emerson e o Beto ainda estavam vendo como iriamos sair do lugar. Ficamos conversando ao redor da van, neste meio do tempo de espera por um guincho. E quase aconteceu um incidente engraçado, quando o Edu eteve a ponto de cair na água do açude que tem na aldeia, espaço lúdico onde as crianças nadam e bribcam. Edu foi fazer uma foto da diretora (eu), numa ponte sob o rio e por pouco não tomou um banho inesperado, de roupa e tudo mais... Essa espera nos permitiu que vivenciássemos o tempo no lugar, também conversando sobre o trabalho feito e criando novos experiencias. De repente, depois de muito esperar, vem o guincho-reboque, da região de de Parelheiros, aliviando a angústia e incerteza da espera. Todos nós da equipe dentro da van e em cima do reboque em uma viagem inusitada de volta ao hotel no bairro Jabaquara em São Paulo. Nos sentimos quase em um desfile de carnaval, trafegando num carro alegórico sem som e bateria.
Na noite, para encerrar, um jantar no mesmo restaurante chinês do Jabaquara da noite anterior, com direito a mensagens do biscoito da sorte. Na de ontem me dizia que "há pessoas que amam o poder e outras que tem o poder de amar". Então, hoje, no dia da van, ela (a mensagem do biscoito), se apresentou com umatirada proverbial que soa engraçado: "Cavalo velho sabe o caminho". Fim de jornada, fim de expediente, com o aprendizado de que o humor salva, que imprevistos acontecem todo o tempo e que estamos sempre perante o imponderável. O que muda é a nossa postura de buscar as soluções e de tornar as experiências mais leves, mesmo quando elas podem gerar alguma tensão. É importante a flexibilidade para poder rodar um filme na estrada.
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