PRIMAVERA INDÍGENA E O MARCO TEMPORAL
- Paola Mallmann
- 23 de set. de 2021
- 4 min de leitura
::PRIMAVERA INDÍGENA E O MARCO TEMPORAL::
A primavera indígena chegou no Brasil movimentando estruturas, com o debate sobre a tese do Marco Temporal. Mais ainda falta aderência do restante da população que é contra o bolsonarismo à se engajar nessa luta ancestral. Em relação ao marco temporal, na tentativa de arrastar o processo e a decisão, o ministro Alexandre de Morais do STF, solicitou mais tempo, o pedido de“vistas” na última sessão, que ocorreu no dia 15 de setembro, o que torna o julgamento mais lento sem prazo de retomada.
Mas não para a luta e repercussão do movimento indígena. Após, uma semana intensa de movimentação em Brasília no início do mês - aliás, diga-se de ambas as partes que atualmente disputam os rumos que a história do Brasil, embora de formas totalmente diferentes - a importância da vanguarda e da resistência indígena em se posicionar e enfrentar o debate se faz ecoar na defesa da nossa frágil democracia, da cidadania cultural, dos direitos originários e também da dignidade para os povos indígenas no Brasil.
O movimento das mulheres indígenas, em sua 2ª Marcha, organizada pela Anmiga e Apib, dentre outras organizações indígenas, deixou a marca do que é uma organização à frente de seu tempo, reunindo mulheres de Sul à Norte do país que organizadas em biomas debatiam diversas pautas, da saúde, à educação, do território à defesa da vida e do direito de ocupar lugares na política. A esperança que deixa, é que não seja Joênia Wapichana a única representante indígena no Congresso, nas próximas eleições. Mas, que se fortaleça essa presença em todos os níveis do legislativo. A Marcha “Mulheres Originárias, reflorestando mentes para a Cura da Terra”, com base no complexo cultural da Funarte, foi motivada por valores que respeitam a vida, é uma forma de manifestação pública que abrange a diversidade e a integridade dos povos indígenas que compõem o Brasil.
Durante o processo de organização da Marcha, mais de 6 mil indígenas de diferentes etnias e povos estiveram acompanhando a votação direto em Brasília, deixando clara sua posição de combate ao fascismo, ao racismo e a toda forma de opressão e retrocesso dos direitos originários e constitucionais.
O movimento iniciado em agosto, que seguiu-se com a Marcha e o lançamento do programa “Reflorestar Mentes”, na última sexta-feira (12), pode também ser chamado de Primavera Indígena e está sendo a vanguarda da resistência política e cultural no Brasil. O lançamento do programa aconteceu dentro de uma instalação em forma de geodésia, onde conduzido por Sônia Guajajara e Célia Xacriabá, foram convidadas 05 mulheres anciás de diferentes povos, para distribuir mudas de árvores para jovens indígenas, as quais ficariam responsáveis pelo sucesso do seu crescimento. O ato teve caráter artístico e ritual, onde cada mulher trouxe sua fala, seu canto sua reza, e as jovens poderem expressar seu sentimento de recepção do legado. Dentre uma das mulheres anciãs, estava Dona Iracema Kaingang, que batizou sua neta durante o ato cerimonial de lançamento do programa e além disso, envolveu a todos e todas presentes distribuindo sementes de araucárias. Para que possamos plantar um novo amanhã, nesse gesto simbólico de esperança, o desfecho do acampamento pela vida deixa essa raiz viva, esse semente de ações mais integradas com as saberes indígenas e, mais fortalecidos para seguir a luta.
Os eleitores de Bolsonaro e os que ainda se apropriam do verde e amarelo da bandeira do Brasil, desconhecem a verdadeira origem dessas cores para as populações indígenas. Circula nas mídias que dão vazão ao bolsonarismo e ao conservadorismo, de que a tese do marco temporal ameaça a economia e o direito de propriedade, comparando o número de hectares por indigena no Brasil e em outros países. No entanto, esquecem de mencionar que o empreendimentos econômicos que aparentemente geram lucros para o PIB, do agronegócio, não prezam necessariamente pela saúde pública e muito menos contribuem para a distribuição das riquezas. Enquanto que a significativa possibilidade de aumentar as demarcações de terras indígenas, presta um serviço ao futuro das próximas gerações, à proteção da biodiversidade, das águas e de todo o manejo do solo e do clima. Essas populações, ao contrário do que se pensou por muito tempo, não estão apenas em nosso passado, bem antes de 1988 neste grande território chamado Brasil, mas também construindo no presente o espaço para um novo amanhã. As plantações de soja, que servem em parte para criação de gado, não geram alimentação significativa para a população brasileira, não bastasse o preço da carne no mercado estar exorbitante. A demarcação das terras indígenas no Brasil representa uma justa reparação histórica e um fio de esperança para os não indígenas que também que acreditam que o Brasil precisa e merece retomar a direção de uma história mais democrática, de direitos, de inclusão social, com equilíbrio e justiça ambiental.
A primavera indígena ensina, a todos e todas, uma lição de organização social de base comunitária, de enfrentamento político pacifico, provida de uma verdadeira espiritualidade que promove a integridade do ser humano e que deve ser mencionada desde já e incluída na nossa memória e história do tempo recente. Se fala muito em pátria, em referência a uma visão patriarcal da formação do país, mas se esquece que a "mátria", a matriz do povo brasileiro, veio do ventre indígena. Deveríamos parar de prezar por uma economia da devastação e começar a encontrar a economia da regeneração, começando por fazer parte deste reflorestar de mentes e corações, todos aqueles que almejam transformar de fato a nossa história.

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